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Estudante do DF cria fórmula matemática aos 11 anos de idade
O estudante Rafael Kessler Ferreira, 11, chocou os pais, professores e colegas ao criar uma fórmula matemática, algo que, normalmente, é feito por acadêmicos em nível de doutorado após muitos anos de estudo. A "fórmula Kessler", [(x²+x) + (y²+y)] - (y-x)², foi registrada em cartório neste ano e fez com que o garoto fosse homenageado com uma moção de louvor na Câmara Legislativa do Distrito Federal, onde mora com a família. Na época da descoberta, Rafael treinava questões de provas passadas da OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas) quando se deparou com uma que chamou sua atenção. "Marcelo usa palitos para fazer quadriculados. Para fazer um quadriculado 1x1, ele usa 4 palitos; para fazer um quadriculado 2x2, ele usa 12 palitos, e assim por diante. Quantos palitos ele precisará para fazer um quadriculado 5x5?", dizia o enunciado.
O menino percebeu que era possível contar manualmente e chegar ao resultado que a pergunta pedia, mas passou a pensar em cenários em que os números fossem maiores. Depois disso, o pai dele ainda o questionou sobre casos em que fossem retângulos em vez de quadrados. Foi daí que ele desenvolveu uma fórmula que poderia ser aplicada para ambas as situações. Ela tem utilidade, por exemplo, para calcular quantos pisos e azulejos podem ser colocados em uma área. Intrigada com a descoberta do filho, a mãe Robertha Munique, que é professora de línguas, pediu para um colega matemático checar a fórmula. O professor Augusto Hung usou a técnica de "indução infinita" e percebeu que Rafael realmente havia criado algo válido. No mesmo momento, Hung lembrou-se da história do alemão Carl Friedrich Gauss (1777-1855), que descobriu a fórmula de soma de progressão aritmética aos oito anos de idade e hoje é considerado o maior matemático de todos os tempos.
O desafio ?e castigo? dado ao pequeno Gauss era o de somar os números entre um e cem. Ele logo percebeu, no entanto, que se somasse os extremos da série (1 mais 99, 2 mais 98) sempre obtinha o número cem. Com isso, resolveu em segundos o caso, que levaria horas para ser desvendado de maneira convencional. ?Na graduação, a gente faz demonstrações a partir dos modelos dados pelos livros, mas não chega a criar fórmulas. Quem começa a criar é a galera do doutorado. Para idade, ele [Rafael], é bem diferente?, diz Augusto Hung, professor e matemático.
A equação passou ainda pela análise de dois professores da UnB (Universidade de Brasília). Igor dos Santos de Lima e Rui Seimetz fizeram uma sabatina com o garoto durante duas horas, pedindo para que ele demonstrasse o raciocínio, desenvolvimento e aplicação do que havia pensado. Mais uma vez, a fórmula se mostrou correta. ?Pensar de uma maneira diferente e encontrar um jeito alternativo de contar na matemática, com essa idade, tem seus traços de genialidade, isso é magnífico e fantástico?, afirma Igor dos Santos de Lima, professor da UnB.
Robertha pretende submeter a fórmula do filho a revistas científicas, que são as responsáveis por fazer uma análise mais aprofundada e validar, ou não, as inovações de conhecimento ao redor do mundo. Há pouco mais de um ano, o estudante foi diagnosticado com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e superdotação. "Eu tinha uma certa recusa, não queria que ele tivesse nada. Preferia que, como toda mãe, que meu filho fosse como todo mundo, 'normal', embora a gente saiba que não existe o 'normal'", diz Robertha.
Os sinais das altas habilidades vieram cedo. Ela relata que, aos 4 anos, o filho tinha um caderno onde escrevia números de 1 até 10.000. Segundo ela, o menino levava as anotações até para escola e preferia continuar fazendo isso a brincar. A mãe conta que ainda hoje, em muitas noites, o filho prefere fazer contas logarítmicas em um pequeno quadro branco do que dormir. No ano passado, ele leu a Bíblia inteira e, agora, tenta fazer a leitura novamente ?mas em espanhol. Rafael costuma desbravar calculadoras científicas e, nos últimos tempos, tem aprendido sozinho sobre linguagens de programação.
De acordo com o Censo Escolar de 2020, há cerca de 24.424 estudantes com perfil de altas habilidades no país. Os dados são subnotificados, pois esses casos são aqueles que fizeram a avaliação neuropsicológica para diagnóstico. Fernando Gomes, neurocientista e professor da USP, explica que identificar a superdotação em crianças pode ser um desafio, mas há alguns sinais que podem ser observados pelos responsáveis tais como a curiosidade avançada sobre temas que não são esperados para a faixa etária; aprendizagem acelerada em relação a outras crianças da mesma idade; pensamento criativo e uma capacidade elevada para resolver problemas com soluções inovadoras, entre outros.
Especialistas explicam também que a criança pode ter um desempenho extraordinário em um campo de conhecimento e, ao mesmo tempo, apresentar dificuldades em outros. Essa "diferença" costuma confundir pais e professores. Robertha conta que Rafael enfrenta dificuldades em aceitar a formalidade do colégio onde estuda. Por vezes, demonstra desinteresse em aulas e atividades que considera desestimulantes intelectualmente. Esse é o caso de muitas outras pessoas com superdotação.
Dayane Louise, psicóloga e neuropsicóloga, explica que a escola costuma ser uma espaço que preza pela "homegeneização", ou seja, todos aprendendo o mesmo conteúdo, no mesmo tempo, da mesma forma. ?Para alunos com altas habilidades, esse formato pode se tornar rapidamente limitador. Por isso, cabe às instituições buscarem alternativas, como enriquecimento curricular, incentivo à participação em olimpíadas de conhecimento, projetos de pesquisa e até mesmo parcerias com universidades?, defende Dayane. Os professores Rui e Igor, da UnB, criaram oficinas de matemática para atender cerca de 300 alunos superdotados no Distrito Federal. "Têm várias demandas que as escolas não veem para lidar com esse público. A gente também não tem formado universitários com essa competência de inclusão. Agora, com essas atividades, terão um pouquinho mais", avalia Igor.
(Fonte: UOL)
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