VOLUME DE TRABALHO EXCESSIVO ADOECE PROFESSORES, ALERTA ESTUDO

Desigualdade. Essa seria a palavra mais adequada para sintetizar o relatório “Volume de trabalho dos professores dos anos finais do ensino fundamental”, apresentado por Itaú Social, Associação D3e (Dados para um Debate Democrático na Educação) e Fundação Carlos Chagas. De acordo com o documento, os professores das redes municipais e estaduais do Brasil assumem entre cinco e 17 turmas, trabalhando de 20 a até 60 horas semanais.
A média de alunos por docente em cada rede, por sua vez, varia de 11 a preocupantes 525, representando uma diferença de 47 vezes entre os extremos. A pesquisa analisou 10 redes estaduais e municipais brasileiras a partir de dados do Censo Escolar da Educação Básica de 2020, produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
A professora recém-aposentada Gina Vieira Ponte dedicou três décadas de sua vida à sala de aula. No início da carreira, lecionou no ensino fundamental 1 e atuou como formadora de leitores em uma biblioteca escolar. “Eu podia desenvolver uma relação de muita proximidade, em que sabia o nome de cada criança e as histórias de suas famílias. Era possível criar um material personalizado e atender a cada criança em sua especificidade”, lembra.
Tudo mudou no início dos anos 2000, quando passou a dar aulas de língua portuguesa para os anos finais do ensino fundamental. “De repente, eu me vi com 280 alunos e tomei um susto. Fiquei me perguntando como seria possível me conectar a tantos estudantes diferentes. Eu nem sequer imaginava como saberia o nome de cada um, ou, ainda, como atendê-los individualmente.” Gina chegou a ter 45 alunos na mesma turma. A recomendação do relatório é de que os docentes trabalhem com cerca de 210 alunos, em até 7 turmas com no máximo 30 estudantes cada uma.
Em pouco tempo, a professora foi diagnosticada com depressão. A mudança radical nas condições de trabalho, o aumento do número de alunos e a falta de repertório prático para lidar com pré-adolescentes e adolescentes foram apontados como gatilhos para a doença. “Na terapia, percebi que a rotina custava a minha saúde. Para dar conta do volume de trabalho, eu não descansava. Já cheguei a ficar dez horas ininterruptas trabalhando no fim de semana para conseguir fazer a correção das produções textuais dos alunos. Isso é insustentável a longo prazo”, relata a ex-professora.
“Tive medo de que o adoecimento me fizesse perder o prazer de estar em sala de aula.” Gina precisou, então, passar por uma adequação de rotina para continuar na profissão. Reduziu a carga horária e passou a deixar livre o turno da tarde, de modo que conseguisse descansar e se recuperar entre a jornada matutina e a noturna. O caso da professora não é um fato isolado. O relatório destaca que professores brasileiros que trabalham durante mais de 50 horas semanais tendem a faltar no trabalho por causa de problemas de saúde.
A própria ex-professora conta que testemunhou muitos casos de colegas que adoeceram, seja com problemas na coluna ou nos ombros, seja com o aparecimento de questões psíquicas, como depressão e síndrome de burnout. Em outros casos, lembra, os profissionais não chegaram a receber um diagnóstico, mas “o entusiasmo com a profissão e o brilho nos olhos foram se apagando com o passar do tempo”.
Na visão da profissional, a carga horária excessiva tem impacto direto na qualidade do trabalho do docente e, por consequência, em todo o processo de ensino-aprendizagem. “O trabalho do professor é, sobretudo, intelectual e requer autonomia. Preciso ter tempo para refletir sobre os instrumentos de avaliação diagnóstica e os percursos de cada aluno. Só assim saberei quais ajustes preciso fazer. Se tenho pouco tempo para isso, não há como exercer a minha condição de intelectual, e me torno uma burocrata do currículo, ou seja, apenas despejo tarefas para os alunos fazerem, deixando em falta a intencionalidade pedagógica”, conclui.
O relatório evidencia que o aumento do número de escolas em que um docente atua tem impacto negativo no desempenho de seus estudantes. Segundo o estudo, esses efeitos tendem a ser ainda maiores para alunos pobres. Além do adoecimento dos docentes e das consequências negativas para a aprendizagem, o documento aponta o absenteísmo e a necessidade de substituição dos professores como mais alguns dos problemas causados pelo excesso de trabalho.
“Esse estudo é superimportante porque vocaliza o que as professoras tentam dizer há muito tempo. Espero que chegue às secretarias de Educação e que resulte em mudanças significativas nas condições de trabalho das professoras do Brasil”, deseja Gina. Para Juliana Yade, especialista em educação do Itaú Social, “olhar para as condições de trabalho de professores e professoras é fundamental para garantirmos a qualidade das práticas pedagógicas, pensando em como alavancar a aprendizagem dos estudantes”.
Fonte: portal Itaú Social


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