USP: quem são os professores negros que entraram pelas cotas

A Universidade de São Paulo (USP) vem tentando mudar a cara do seu corpo de professores ao adotar cotas para pretos, pardos e indígenas (PPI) nos concursos públicos desde maio de 2023. A iniciativa busca ampliar a diversidade racial no corpo docente, espaço majoritariamente branco há décadas. Após o impacto da reserva de vagas para a graduação, que tornou a USP mais plural e representativa, espelhar a diversidade na sala dos professores é um processo bem mais lento e complexo. Dos 532 novos contratados desde o início das cotas, 74 são PPI, o equivalente a 14%. No cômputo geral, porém, a proporção ainda é baixa: só 4% do total de 5.306 professores da USP se declaram PPI, conforme o anuário da instituição, a mais importante universidade da América Latina. Órgãos como a Defensoria Pública têm cobrado mais medidas de inclusão. Uma dessas novas professoras é Joana D?Arc de Oliveira, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Quando assumiu o cargo, em 2024, Joana carregava mais do que o próprio nome na assinatura do termo de posse. Dividia com outra recém-contratada, a moçambicana Elisa Muyanga, um feito histórico: as duas são as únicas docentes negras da unidade, uma das mais tradicionais da USP. ?Chegar aqui é chegar com todos os meus e minha ancestralidade, com quem confiou no meu trabalho, quem abriu a casa e o quintal para me receber nas pesquisas?, afirma Joana. ?Chegar aqui não é ato individual?. Professora doutora do Departamento de História e Estética do Projeto, Joana soma quase 20 anos de trajetória na USP. Foi um período de persistência, como ela define, com bolsas curtas e até aulas voluntárias. ?Persisti para me manter na USP pesquisando temas que só agora ganham reconhecimento dentro da arquitetura?, afirma. ?Mapeio casas, quintais, arquivos familiares. Registro presenças negras que construíram as cidades?, explica a filha do caminhoneiro Aparecido de Oliveira e da empregada doméstica Fátima Suely Bessie que nasceu em São Carlos, no interior. A regra prevê que, nos concursos ou processos seletivos em que o número de vagas oferecidas seja igual ou superior a três, serão reservadas 20% das vagas ao público PPI. Para aqueles cujo número de vagas oferecidas seja de uma ou duas, os candidatos PPI recebem pontuação diferenciada. No concurso para a vaga, eram mais de 20 inscritos; na fase final, três candidatos. Joana solicitou a pontuação diferenciada, como prevê o regulamento, e foi aprovada por unanimidade pela banca. Para que a universidade possa se afirmar antirracista, a presença negra precisa se refletir em todas as esferas, inclusive na produção de conhecimento e nas posições de poder acadêmico, na visão do professor José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares. ?A universidade, como espaço de produção do conhecimento, precisa contemplar todos os pontos de vista e visões de mundo da sociedade. Em trajetórias históricas de apagamento, a presença do negro é um marcador de diversidade e pluralidade e de que é possível pertencer a esse espaço?. Nas universidades federais, uma lei também prevê a reserva de vagas para docentes PPI, na proporção de 30%. Algumas instituições adotam proporções mais altas, como é o caso da UFABC (40%). A reitoria tem sido cobrada para acelerar os avanços. Em agosto, a Defensoria Pública de São Paulo ajuizou ação civil pública questionando as regras da instituição. O órgão quer a aplicação das cotas em editais já em andamento e em todos os concursos, sem exceção. A regra da USP, por sua vez, prevê reservas de vagas PPI apenas quando há três ou mais espaços a serem ocupados. Nos concursos com menos vagas, não há exatamente uma reserva, mas a atribuição de pontuação diferenciada a partir da segunda fase - aqui, o Coletivo de Docentes Negros e Negras pleiteia a adoção da pontuação especial desde o início do certame. A liminar foi negada à Defensoria, e o processo ainda aguarda julgamento de mérito. A USP sustenta o entendimento oposto. ?A tese defendida pela Defensoria é contrária às regras criadas pela USP, no sentido de que os editais em andamento não seriam atingidos. É esta a posição que a USP sustenta na Justiça?, informou a universidade. O Coletivo defende que todas as seleções reservem vagas até que, no mínimo, 37% do corpo docente seja PPI, porcentagem equivalente à população negra do Estado de São Paulo. Joana é uma das integrantes do grupo. Entre as outras propostas do grupo, estão: 1) pontuação diferenciada a partir da primeira fase dos concursos, formada pela prova escrita (hoje é válida só na segunda fase); e 2) bancas majoritariamente compostas por docentes PPI. Projeção da Rede Liberdade, em parceria com a Ação Educativa, estima que a USP levaria mais de 80 anos para alcançar uma representação proporcional. A reitoria, por sua vez, destaca que a política já criou uma mudança: saltou de um patamar de 2% a 3% de docentes PPI para 14% entre os recém-contratados. O processo é lento, diz a universidade, porque o desafio está na própria estrutura: o corpo docente se renova apenas 2% ao ano, ritmo bem diferente do universo discente, cuja rotatividade chega a 25%. A USP afirma que o processo está sendo monitorado por um grupo de trabalho. Em 2026, a política passará por revisão no Conselho Universitário, que poderá ratificá-la ou propor ajustes. (Fonte: O Estado de São Paulo)

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